Como Joe Rogan virou o grande novo entrevistador da TV e como está ampliando seu império fora dela
Confira como Rogan, com seu podcast maluco e superficialmente irreverente, está dominando a mídia tradicional e mudando a cena de toda uma cidade.
Nestas eleições de 2024 nos Estados Unidos, muito mudou. Analistas dizem que é a eleição que marcou o final da mídia tradicional, o fim das entrevistas na TV. O que veio para substituir? Vou contar uma história…
Em um dia de março durante a gravação de seu podcast, Joe Rogan olhou para seu convidado do dia, o comediante Kevin James, e com um discurso longo tentou convencer o ator a fazer algo. “Era hora”, disse Rogan ao ex-protagonista de Paul Blart, de considerar uma mudança definitiva de ares. "Vem pra cá, pro Texas", disse Rogan. "Vamo nessa, parceiro, eu te ajudo."
Desde que Rogan tinha mudado sua família de Los Angeles para Austin quatro anos antes, ele tinha desenvolvido um estilo de vida sob medida para a nova era da comédia - uma era dominada por podcasts, em vez de filmes de Hollywood e séries de TV. Os comediantes não estavam mais tão presos aos estúdios de Nova York ou Los Angeles. Podiam morar praticamente em qualquer lugar. Mas Austin, ele argumentava, era o novo centro do universo da comédia.
Rogan já tinha um novo estúdio de podcast, uma sauna, um campo de tiro com arco e, mais importante, uma nova casa de shows, a Comedy Mothership, para fazer stand-up com seus amigos. "O clube está sempre disponível, você vai se divertir", disse Rogan. "A gente pode malhar junto. Temos uma academia show de bola." Além disso, a maneira como tratavam a “liberdade de expressão” em sua cidade adotiva era como uma religião, acrescentou Rogan. "Eles não estão nem aí pra controlar o que você compra, onde vai e o que faz na sua terra", disse ele. "Você pode até ter uma zebra se quiser."
Era tentador, mas por mais que James gostasse do Texas, de Rogan, da liberdade e de zebras, ele tinha responsabilidades familiares em outro lugar. Além disso, ele se preocupava que seu estilo de humor observacional mais leve não combinasse com o clube linha-dura de seu amigo - uma noção que Rogan descartou. Todos os tipos de comediantes, disse Rogan, eram bem-vindos na Mothership.
Embora James tenha recusado no final, outros comediantes que receberam a mesma proposta fizeram as malas e foram. Nos últimos dois anos, um grupo crescente de comediantes e podcasters atendeu ao chamado de Rogan e se estabeleceu em Austin, incluindo Shane Gillis, Brian Simpson, Duncan Trussell, Matt McCusker e Tony Hinchcliffe. Agora, junto com uma onda de expatriados do Vale do Silício e artistas de Hollywood em busca de uma vida mais tranquila, um novo tipo de polo criativo está remodelando a cultura histórica da cidade.
Em fóruns na internet, as pessoas às vezes descrevem Rogan como a Oprah Winfrey para homens (talvez seja mais preciso dizer: ele é a Oprah se ela tivesse uma obsessão por teorias da conspiração e defensores da cultura anti-cancelamento). O talk show diário de Rogan mistura entrevistas maratônicas (a tal dita inspiração do Flow Podcast) com convidados de destaque e uma boa dose de conselhos de vida - muitas vezes convencionais, aqueles de coach e às vezes duvidosos - incluindo dicas de dieta, rotinas de exercícios e suplementos vitamínicos. Como Winfrey em seu auge, Rogan tem uma audiência tão enorme e fiel que pode elevar muito o status de seus seguidores só por dar apoio e tempo de tela pra eles.
Dentro da indústria, Rogan é amplamente considerado o podcaster mais popular do planeta. O Joe Rogan Experience, que até recentemente era exclusivo do Spotify, foi o podcast mais ouvido nos EUA no primeiro trimestre deste ano, segundo a Edison Research. Em fevereiro, o Spotify assinou um novo contrato de vários anos com Rogan. O acordo, avaliado em até 250 milhões de dólares segundo o Wall Street Journal, permite que seu programa apareça em outros serviços de streaming, como Apple e YouTube, o que provavelmente aumentará o alcance de Rogan. Isso também pode ajudar a proteger o Spotify de críticas da próxima vez que patrocinadores se incomodarem com as palavras de Rogan, uma personalidade ciclônica que as pessoas tendem a seguir ou fugir. (O Spotify não tem envolvimento financeiro com a Mothership, embora Rogan tenha se recusado a falar com a Bloomberg Businessweek através de um porta-voz do Spotify.)
Agora Rogan está acelerando seus estúdios em Austin para amplificar o talento, a riqueza e a influência de seus recrutas e aliados. As recompensas de garantir um lugar próximo no universo de Rogan são significativas, sua benção garantindo um belo impulso na audiência - e em anunciantes procurando vender seus produtos para consumidores notoriamente resistentes às vozes da mídia tradicional.
É um bom momento para investir em infraestrutura de comédia. As vendas brutas de ingressos de stand-up entre 2012 e 2023 quase triplicaram, crescendo de 371,4 milhões para 909,6 milhões de dólares, segundo dados da Pollstar, uma publicação comercial do setor de entretenimento ao vivo. Especialistas da indústria atribuem o boom ao crescimento das redes sociais, onde clipes de comédia circulam constantemente, atuando como um marketing poderoso e gratuito para atrair fãs aos shows. Austin, uma das áreas metropolitanas que mais crescem nos EUA, está em posição ideal para lucrar com isso.
Steve Adler, ex-prefeito de Austin, que jantou com Rogan quando ele chegou à cidade e depois apareceu em seu podcast, diz que embora nem todas as ideias de Rogan se encaixem no estilo progressista de Austin, a agitação criativa é uma tradição local respeitada. "Nossa tolerância para assumir riscos é maior do que qualquer outra cidade que já visitei no mundo", diz Adler. De fato, ao longo dos anos, Austin recebeu desde Willie Nelson até Lance Armstrong e Elon Musk. A cidade pode estar unicamente posicionada para absorver confortavelmente um apresentador de talk show polêmico com influência política significativa e uma caravana de discípulos, mas as indústrias mais amplas de comédia e podcast também estão tendo que se reajustar ao seu redor.
O episódio típico do podcast de Rogan tem duas a três horas de duração e apresenta um único convidado - geralmente um autor, comediante, sobrevivencialista, guru libertário ou artista marcial. Embora os assuntos variem muito, Rogan frequentemente direciona as conversas para alguns tópicos favoritos: as origens das pirâmides, tanques de privação sensorial, segredos governamentais, alienígenas, drogas que alteram a mente, rotinas de treino, armas medievais, banhos gelados, seitas e filmes toscos.
Rogan também adora falar sobre animais - quanto mais ferozes, melhor. Chimpanzés no Congo: "Eles te destroçam". Lobos: "Podem correr a 70 quilômetros por hora, te perseguir e te devorar". Orcas: "Elas estão ensinando umas às outras como afundar barcos". Combinada com a paixão de Rogan pelas artes marciais, seu foco na predação biológica dá ao programa sua vibe predominante - uma aula de biologia do ensino médio dada por um professor substituto fã de UFC no último semestre do terceiro ano, quando todo mundo já tá chapado. A vida moderna, como Rogan apresenta, é um clube da luta darwiniano em constante agitação.
Deixar Los Angeles, onde Rogan passou mais de um quarto de século subindo na indústria do entretenimento, não foi uma questão de sobrevivência; era algo que ele contemplava há anos. Quando criança, ele foi jogado de um lugar para outro com sua mãe solteira, eventualmente se estabelecendo em Boston. Ele descobriu as artes marciais - karatê, taekwondo e kickboxing - e começou a participar de noites de standup em clubes de comédia aos 20 e poucos anos. Na década de 1990, ele estava morando em LA e aparecendo na TV. Entre outros trabalhos, ele estrelou uma sitcom de beisebol da Fox, "Hardball", apresentou o reality show "Fear Factor" da NBC e fez comentários para o UFC. Em 2009, Rogan começou um podcast básico com seu amigo comediante Brian Redban, fazendo entrevistas livres com comediantes e lutadores que estavam felizes em discutir seu ofício longamente, mesmo que em grande parte se perguntassem quem, se alguém, ouviria. Com o tempo, veio uma resposta surpreendente: muitos jovens sem nada pra fazer estavam ouvindo.
Como Rogan conta em seu podcast, em 2020 ele se sentiu incomodado com a resposta do governo da Califórnia à pandemia, o crescimento de acampamentos de sem-teto e os apelos ativistas para reduzir o financiamento da polícia. Então ele se mandou pro Texas com sua esposa e três filhas, para uma nova casa às margens do Lago Austin. Logo ele estava se adaptando ao estilo de vida local: passeando de barco, comendo churrasco e se gabando sem parar de como sua nova cidade era incrível. "Não quero ficar perto de gente. Quero sossego", disse Rogan em seu programa. "Quero bichos."
Mas nas colinas ventosas do Texas, havia um grupo de Homo Sapiens que Rogan sentia muita falta - comediantes malandros e afiados. Austin há muito mantinha uma modesta cena de comédia que girava em torno de um showcase anual, o Festival de Comédia Moontower, e do Capitol City Comedy Club, um local decididamente sem glamour enfiado num centro comercial, que nos fins de semana também funcionava como autoescola. Sob várias iterações, o clube sobreviveu por décadas antes de sucumbir à pandemia em 2020. (Desde então reabriu sob nova administração.)
Com os clubes de stand-up em Austin apenas começando a se recuperar da Covid-19, Rogan decidiu construir seu próprio. No início, ele considerou comprar um rancho, construir um anfiteatro e fazer shows de comédia ao ar livre, com churrasco e estande de tiro. Eventualmente, ele descartou a ideia e acabou comprando e reformando o Ritz, um teatro histórico na Sixth Street, uma área que já foi o coração da cena musical ao vivo da cidade.
Rogan não economizou. Ele queria um clube de comédia projetado por um comediante para comediantes, com iluminação, sistemas de som e câmeras de última geração. Um lugar onde produtores da Netflix ficariam encantados em filmar e do qual surgiriam novas e influentes vozes cômicas. Ele mandou abaixar o teto no palco para torná-lo mais “íntimo” - uma sugestão de um amigo, o semi-cancelado comediante Louis C.K., diz Richard Weiss, o arquiteto local contratado para o redesenho.
Rogan não era de longe o único novato na cidade. Na última década, Austin atraiu filiais de grandes empresas de tecnologia, incluindo Google, Oracle e Apple. Musk entrou na festa também, mudando a sede da Tesla Inc. para Austin em 2021 e comprando uma casa lá no ano seguinte. Durante aparições recorrentes no podcast, Musk e Rogan se comportavam como um par de calouros idiotas da Universidade do Texas, fumando maconha, compartilhando ideias malucas sobre astrofísica, pedindo pizza de anchova com abacaxi e atirando uma flecha em uma Tesla Cybertruck. "Vai ser a maior cidade em crescimento que a América viu em 50 anos, pelo menos", disse Musk no programa de Rogan em 2021.
Os guindastes se multiplicaram pelo horizonte. O trânsito piorou; os preços das casas dispararam. Na política local, um bordão pegou: "Não transforme meu Texas na Califórnia". Evan Smith, co-fundador do Texas Tribune, diz que a suposição era que os refugiados dos estados democratas fariam a cidade - há muito um bastião dos valores progressistas em um estado conservador - ainda mais liberal. Mas aconteceu o oposto. Os recém-chegados não eram hippies Smith ressalta; eram caras libertários irritados com os democratas, com o governador da Califórnia, Gavin Newsom, e atraídos por impostos baixos. Durante a pandemia, Austin estava se tornando menos liberal, mais libertária, mais ao estilo Rogan.
No início de 2022, o programa de Rogan foi engolfado por uma série de controvérsias nacionais, sobre seu ceticismo em relação à vacina contra Covid e uso passado de insultos raciais.
Por sua parte, Rogan estava circulando, encontrando-se com celebridades locais como o ator Matthew McConaughey e convidando-os para seu podcast. Mais odes a Austin se seguiram. "Não pergunte o que Austin pode fazer por você", disse McConaughey. "Pergunte o que você pode fazer por Austin".
Conforme a Mothership se aproximava da conclusão de suas reformas, vários outros clubes de comédia surgiram, dando origem a um novo sistema de formação para comediantes iniciantes, não muito diferente do que a Sixth Street era para jovens músicos nos anos 1990.
Na primavera de 2023, a Mothership, com sua estética inspirada em alienígenas, finalmente abriu com um anúncio no Instagram: "Viemos em paz."
Em abril, o comentarista conservador Tucker Carlson se encontrou com Rogan para jantar, uma espécie de entrevista, um teste, para sua aparição no podcast. Depois, Rogan o levou para um especial de standup no seu clube Mothership. Em pouco tempo, o ex-apresentador da Fox News se viu improvisando como um comediante convidado no podcast, rindo junto enquanto os outros comediantes faziam seu “roast”. Após a gravação, Carlson desceu na pista do clube para socializar.
Carlson, que está tentando aumentar a audiência de sua nova rede de streaming, lembrou que quando trabalhava na MSNBC nos anos 2000, os programas matinais e noturnos da NBC eram número 1. Era uma máquina promocional formidável que 20 anos depois, como muitas coisas na TV aberta, parece ter perdido muito de seu antigo domínio. "Lembro como era um evento ir até Burbank e participar do programa do Jay Leno. Quem se daria ao trabalho de fazer isso por um programa de TV linear hoje em dia?", diz Carlson. "Estamos vivendo o momento Rogan."
Fontes que me ajudaram na elaboração e pesquisa desse artigo: Bloomberg, Austin Daily News, Business Insider e Los Angeles Times.